sábado, novembro 19, 2011

A DOENÇA SE ORIGINA EM NÓS MESMOS



(Transcrito do JOURNAL OF MENTAL HEALTH de abril de 1966)

            A doença emocional não resulta de nenhuma situação externa. Ela tem sua origem em cada um de nós mesmos. Precisamos reconhecer esse fato para que possa haver recuperação.

            São as nossas reações diante dos acontecimentos, e não os acontecimentos em si mesmos, que determinam o nosso modo de sentir. Embora muitas pessoas possam estar envolvidas em um mesmo acontecimento, a reação de cada uma delas pode ser diferente. É a interpretação individual dos acontecimentos e situações que resulta em saúde ou doença emocional.

            Um exemplo clássico frequentemente citado é aquele em que dois homens participantes de uma guerra se protegem em um buraco cavado no solo. As mesmas balas passam sobre suas cabeças e as mesmas bombas caem para ambos. Um deles demonstra fortaleza e se torna um herói. O outro se deixa abater e acaba sendo considerado vítima de “esgotamento de guerra”.

            O que é que distingue esses dois combatentes envolvidos na mesma situação? Na opinião de profissionais, o fator determinante foi o que cada um deles levou para a situação como característica de sua própria personalidade. O acontecimento foi apenas o agente precipitante do colapso emocional daquele que já se encontrava emocionalmente perturbado e, portanto, predisposto a sofrê-lo. Por outro lado o mesmo acontecimento contribuiu para revelar a fortaleza de caráter já existente em seu companheiro.

            Portanto, não seria correto afirmar que a “causa” do colapso emocional de um dos combatentes foi a penosa situação de guerra. Muito provavelmente, ele teria sido vítima de um colapso emocional em qualquer situação em que se visse sujeito a pressões.

            A mesma coisa acontece em relação a todas as situações externas. Quase todos os doentes emocionais costumam desfilar suas queixas contando longas histórias de como as outras pessoas e as situações lhes têm sido impiedosas. Queixas como essas, entretanto, precisam ser eliminadas, e a própria contribuição pessoal em cada situação precisa ser compreendida, antes que se possa alcançar a recuperação.

            Não é absolutamente verdade que uma esposa resmungona, um marido negligente, um chefe grosseiro, etc. sejam os “causadores” da doença emocional de uma pessoa. Em quase todos os casos, é a própria pessoa doente que, na realidade, ocasiona a situação desagradável em que se vê envolvida, ou no mínimo contribui para criá-la. Muito provavelmente, é o papel que ela mesma desempenha numa determinada situação que faz com que essa situação exista. Em outras palavras, assim como não se dança o tango, por exemplo, sem que haja a participação de duas pessoas, também não haverá briga, discussão, ou coisa semelhante para quem não contribua para isso.

            Mesmo que as outras pessoas estejam agindo de forma errada, isso não serve de justificativa para se ficar doente. É possível suportar situações desfavoráveis sem se deixar transtornar, e “vida normal” pode perfeitamente ser definida como ajustamento, isto é, ajustamento às situações em que nos encontremos envolvidos. Ninguém é dotado do privilégio de ter uma vida em que a sorte sempre lhe favoreça, uma vida totalmente isenta de dificuldades. O nosso ajustamento é determinado pelo equilíbrio do nosso comportamento tanto nos momentos difíceis como nas circunstâncias felizes.

            Agora, se uma situação se mostra de todo intolerável, o que se deve fazer é sair dela. Nenhuma pessoa normal permaneceria em tal situação, deixando-se transtornar. Portanto, o papel de “vítima” que as pessoas doentes assumem nenhum benefício lhes proporciona. A doença, repetimos, se origina na própria pessoa ao permitir que a situação a mantenha transtornada.   

            Se uma pessoa se mostra mesquinha ou grosseira com você, isso significa que ela se encontra mais doente do que você e deveria, portanto, merecer pena e compreensão de sua parte, pois, não tenha dúvida, essa pessoa está pagando seu preço em infelicidade.

            Quase sempre, porém, as situações são mal interpretadas pela pessoa doente, de forma que as outras pessoas não podem em absoluto ser responsabilizadas. Quando estávamos doentes, costumávamos culpar os outros por tudo. Não queríamos assumir a responsabilidade pelo que havia dentro de nós mesmos. Recusávamo-nos a encarar nossos defeitos de caráter, jogando a culpa em outras pessoas. Só conseguimos recuperar-nos quando, deixando finalmente de fugir da realidade, resolvemos olhar para onde as falhas realmente se encontravam: dentro de nós mesmos.

            Todas as pessoas recuperadas que conhecemos admitem que estavam erradas quando se encontravam doentes. Em nosso próprio caso, foi justamente o reconhecimento de que o erro estava em nós mesmos que nos possibilitou chegar à raiz do problema e dar início à recuperação.

            Passamos então a compreender que a doença tinha sua origem em nós mesmos e não em outras pessoas ou em situações externas. Isso foi um importante passo à frente e o momento decisivo de nossas vidas.

            Sentimos um grande alívio ao ficarmos finalmente conhecendo a verdade. Foi como sair das trevas. Os outros sempre souberam que estávamos doentes, e agora nós também tínhamos certeza disso. E não chegou a causar-nos grande sofrimento. Na realidade, o que nos vinha mesmo atormentando era o medo de nos confrontarmos. Ao fazê-lo, porém, vimos que isso nada apresentava de ruim e ainda nos proporcionava alívio imediato. Não pudemos então compreender porque havíamos fugido por tanto tempo.

            Enquanto culpávamos os outros, não conseguimos nenhuma ajuda. E não havia mesmo ajuda que pudesse ser conseguida dessa forma. Estávamos errados e agindo de forma errada em relação ao problema. Quando afinal decidimos assumir a responsabilidade, acertamos em cheio e obtivemos ajuda. Segundo as palavras de um companheiro de Washington, “somos nós mesmos que criamos as nossas próprias situações”.

            Somos de fato os causadores de todas as nossas situações, boas ou más. Costuma-se dar crédito à pessoa bem sucedida, porém já está na hora de se depositar confiança também na pessoa doente, na que fracassou. Embora não deva ser censurada por estar doente, é sua a responsabilidade de fazer alguma coisa a esse respeito. Como acontece, por exemplo, com uma pessoa tuberculosa. Embora não mereça censura por encontrar-se doente, cabe-lhe sem dúvida alguma a responsabilidade de procurar ajuda e fazer o que deve ser feito para sarar. Se recusar tratamento e piorar, a culpa será sua. Ela precisa decidir. E a pessoa emocionalmente doente também precisa tomar uma decisão: recuperar-se.

            O tormento por que passam as pessoas emocionalmente doentes não é causado por nenhuma situação externa em que estejam envolvidas. São as suas próprias interpretações dos acontecimentos que as martirizam.

            A DOENÇA SE ORIGINA EM NÓS MESMOS. A recuperação, portanto, depende de tratarmos de nossas próprias pessoas. Se acharmos de orientar o tratamento para as situações externas, não conseguiremos recuperar-nos. Experimente.

(Texto retirado do Livro Vermelho – p. 21 a 24)    

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