O corpo é o espelho da mente
Anna Paula Buchalla
[A medicina se rende a práticas antes consideradas alternativas.
Está provado que meditação, ioga e técnicas de relaxamento previnem e ajudam a curar doenças. Ou seja, a medicina preventiva agora prescreve não só dieta e ginástica, como também o cultivo das emoções e dos pensamentos positivos.]
Tudo é uma questão de manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranqüilo, cantava Walter Franco nos anos 70, no que era uma síntese do modo de vida hippie. Hoje, esses versos caberiam num relatório médico. Pesquisas recentes dão respaldo científico a uma crença que, divulgada no Ocidente pelo pessoal do paz-e-amor, está na base de filosofias orientais milenares – a de que uma mente apaziguada ajuda a prevenir doenças, acelera a recuperação física e até cura. O contrário também se revelou verdadeiro. Pensamentos e sentimentos negativos contribuem para o surgimento de moléstias e atrapalham o restabelecimento de um doente. Rancor, hostilidade, ressentimento e angústia podem estar na origem de distúrbios cardíacos, hipertensão, depressão, ansiedade, insônia, enxaqueca e infertilidade. Além disso, o peso dos sentimentos ruins debilita o sistema imunológico, fazendo com que o organismo se torne um alvo fácil de infecções, alergias e doenças auto-imunes, como a artrite reumatóide. A partir dessa constatação, os pesquisadores resolveram examinar a fundo métodos de aprimoramento mental que, há pouco mais de duas décadas, vinham embalados numa aura de puro misticismo. Ioga, meditação e relaxamento viraram objeto de inúmeros estudos a respeito de sua eficácia terapêutica. As conclusões, até o momento, são bastante positivas. "Depois de analisarmos com rigor o alcance dessas técnicas, passamos a utilizar tais métodos como linha auxiliar de alguns tratamentos" , diz o psicólogo José Roberto Leite, coordenador da unidade de medicina comportamental da Universidade Federal de São Paulo.
Um dos maiores investigadores do poder da mente sobre a saúde é o cardiologista americano Herbert Benson, da Universidade Harvard, autor do livro Medicina Espiritual (veja quadro). Pesquisas conduzidas por ele mostram que, em média, 60% das consultas médicas poderiam ser evitadas, caso as pessoas usassem sua capacidade mental para combater naturalmente tensões que são causadoras de problemas físicos. A meditação, demonstra Benson, figura entre as maneiras mais efetivas de fortalecer a mente. Meditar, no caso, não significa pensar detidamente sobre um determinado assunto ou aspecto da vida. Quer dizer justamente o contrário: não pensar em nada durante uma certa parte do dia. É dessa forma, esvaziando a mente das atribulações cotidianas, que os monges budistas tentam atingir o nirvana – aquele estado de absoluta suspensão do ego através do qual se consegue escapar das aflições que costumam tumultuar o cérebro da maioria das pessoas, prejudicando sua saúde. Para os seguidores de Buda, esse é o supra-sumo do conhecimento e da felicidade.
É evidente que não se pretende que uma pessoa comum, que só teve contato com Buda por referências vagas, chegue ao nirvana ou algo que o valha. Mas, ainda que os limites da meditação sejam estreitos para quem está longe de ser um lama tibetano, eles são suficientes para fazer diferença. Num de seus estudos, Benson acompanhou durante cinco anos pacientes que aprenderam a meditar, para tentar controlar doenças coronárias crônicas e outros problemas. Ele notou que os que meditavam de maneira disciplinada, todos os dias, tiveram taxas de recuperação superiores às do grupo de doentes que não levavam a sério a prescrição. O médico americano também verificou que, graças à técnica, metade dos homens com baixo número de espermatozóides por efeito de stress havia melhorado sua produção. Outro dado impressionante é que quase 50% das mulheres com infertilidade associada a dificuldades psicológicas conseguiram engravidar.
Não há nada de transcendental nisso. Usando imagens de ressonância magnética funcional, associadas a um aparelho de eletroencefalograma , uma equipe da Universidade de Wisconsin-Madison comprovou que a meditação produz efeitos concretos no cérebro. Nesse estudo, os pacientes foram divididos em dois grupos: o primeiro praticou-a uma hora por dia, seis dias por semana, ao longo de dois meses. O segundo não meditou. A atividade no cérebro das pessoas de cada grupo foi medida e comparada. Os dados mostraram que, entre os que meditavam, houve um aumento na ativação do córtex pré-frontal esquerdo, a área que concentra as emoções positivas. Os pesquisadores também testaram se o pessoal da meditação teve a função imunológica melhorada. Para chegar a uma resposta, os integrantes de ambos os grupos tomaram vacina contra gripe. De quatro a oito semanas depois da administração da vacina, os participantes do estudo fizeram exames de sangue para medir o nível de anticorpos que produziram contra a vacina. No grupo da meditação, houve um aumento mais significativo. A equipe de Wisconsin agora está usando um novo equipamento de diagnóstico por imagem, o DTI, para saber como a técnica é capaz de agir especificamente sobre determinados circuitos cerebrais.
Os resultados obtidos pelas pesquisas serviram como chancela para que a meditação entrasse para o cardápio dos serviços ambulatoriais e hospitalares. No Columbia Presbyterian Medical Center, um dos maiores hospitais de Nova York, ela é oferecida aos pacientes como terapia complementar, para reduzir a dor e a ansiedade antes de cirurgias cardíacas. Para facilitar o processo, o hospital vende aos interessados uma fita de noventa minutos em que, sobre suave fundo de música new age, uma voz macia convida o ouvinte a evocar um lugar em que ele se sinta feliz. O menu do Columbia Presbyterian inclui, ainda, ioga e massagem. No Brasil, também há hospitais que lançam mão da meditação. Um deles é o Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo. Há três anos e meio, a instituição incluiu a meditação em terapias pré e pós-cirúrgicas e no tratamento de hipertensos e de pacientes com quadros de dor crônica. Hoje, 300 pessoas por mês utilizam o serviço. No hospital da Universidade Federal de São Paulo, a meditação é indicada para quem sofre de fibromialgia e dores lombares persistentes, assim como para pacientes com quadros fóbicos e transtornos obsessivo-compulsiv os. "Está em estudo a possibilidade de estender a meditação aos nossos pacientes internados", diz o psicólogo José Roberto Leite.
A ioga, uma prática de origem indiana vinculada a um sistema filosófico-religioso , começou a ser praticada nos países ocidentais no final da década de 60. No início, era coisa de gente que buscava no esoterismo oriental uma forma de escapar ao materialismo capitalista. Aquela história de sociedade alternativa e por aí vai, como deve lembrar o leitor que já passou dos 40 anos. Depois, a ioga foi relegada a um certo ostracismo, de onde ressurgiu na década de 90 como uma forma de ginástica para pessoas que, integradíssimas ao materialismo capitalista, queriam apenas tonificar e alongar os músculos. Hoje, o que ocorre é o inverso do que se dava há trinta anos: muitos que escolheram praticar ioga como exercício físico vêm descobrindo que se trata de uma ótima forma de aprimorar-se mentalmente. Calcula-se que haja no Brasil 5 milhões de iogues. De duas a três vezes por semana, eles se torcem e retorcem, sentam-se na posição de lótus, controlam a respiração e, ao final das sessões, entoam mantras (a repetição em voz alta de palavras ou sons que ajudam o sujeito a meditar), antes de se despedir com um sonoro Namastê, saudação que significa "o que há de divino em mim reverencia o que há de divino em você". Bonito, não? Pois é, tudo isso dá uma calma danada, dizem os praticantes. A ioga disseminou-se de tal forma que, nos Estados Unidos, ela é aconselhada até para bebês. Segundo a psicóloga DeAnsin Parker, autora de um recente livro sobre o assunto, bebês que são colocados por suas mães em determinadas posições de ioga têm estimulados os sistemas circulatório e digestivo. Ah, sim, eles acabam dormindo melhor também.
Foi a demanda pela prática indiana que despertou nos pesquisadores o interesse em checar quais são exatamente os benefícios que a ioga traz. Descobriram que ela ajuda a diminuir o ritmo cardíaco, a regular o funcionamento do sistema respiratório, a reduzir a pressão sanguínea e os níveis de colesterol. Isso porque seus exercícios físico-mentais ativam a parte do sistema nervoso responsável pelo relaxamento. Ou seja, fazem um bem enorme para o coração e, não menos importante, para o que se convencionou chamar de alma – ansiosos e deprimidos encontram alívio em seus sintomas. Para não falar daquele efeito mais visível que é o de melhorar a postura, minorando as dores causadas por desvios de coluna. Os pesquisadores verificaram que a ioga pode ser de grande valia no tratamento de mulheres na pós-menopausa. Ao auxiliar no equilíbrio da produção hormonal, diminui as alterações de humor tão típicas dessa fase da vida. Comprovou-se, por fim, que a ioga faz uma espécie de massagem no sistema linfático, responsável pelo transporte das células de defesa do corpo e pela limpeza dos dejetos produzidos pela atividade celular e outras impurezas. Com isso, fortalece o sistema imunológico e mantém o interior do organismo livre de agentes patogênicos.
Métodos como o tai chi chuan, de origem chinesa, e o relaxamento profundo também ganham adeptos entre aqueles que acreditam que, para ter saúde, é preciso ter uma boa cabeça. O tai chi chuan, que é basicamente uma seqüência de movimentos realizados lenta e suavemente, trabalha com a concentração, o equilíbrio e a coordenação motora. É indicado especialmente para quem tem mais de 60 anos, já que não força as articulações. Entre as diversas técnicas de relaxamento, a que mais agrada aos médicos é a que foi desenvolvida na década de 30 por Edmund Jacobson, um fisiologista de Harvard. Ela abrange cerca de trinta grupos musculares e utiliza principalmente a respiração. Quando inspiram, seus praticantes tensionam os músculos. Ao expirar, eles os relaxam. Essa alternância faz com que o cérebro produza mais serotonina, o neurotransmissor que propicia a sensação de bem-estar. Um estudo realizado pelo psicólogo Luiz Paulo Marques, no Hospital das Clínicas de São Paulo, avaliou os efeitos desse tipo de relaxamento sobre mulheres vítimas de fibromialgia, um tipo de dor crônica muito associado a disfunções psíquicas. Os resultados foram surpreendentemente bons: as participantes relataram uma melhora da ordem de quase 90%.
O célebre provérbio "mens sana in corpore sano" (mente sã em corpo são), creditado ao poeta latino Juvenal, do início da era cristã, resumia limpidamente uma convicção dos médicos da Antiguidade – a de que havia uma estreita ligação entre pensamentos e emoções e saúde orgânica. Tal noção perdeu força no Ocidente no século XVII, com o surgimento do racionalismo exacerbado, que separou a mente do corpo. O que os médicos atuais fazem é recuperar essa antiga percepção. Pouca gente sabe que a frase inteira de Juvenal é, na verdade, "deve-se rezar para ter mente sã em corpo são". Esse detalhe ganha relevância porque os cientistas se mostram agora muito interessados em saber qual é o impacto da fé na atividade mental. Um dos mais famosos estudos sobre o assunto é de autoria do radiologista Andrew Newberg, da Universidade da Pensilvânia. Ele demonstrou que o transe religioso interfere no funcionamento de certas estruturas cerebrais. Para chegar a essa conclusão, Newberg monitorou, através de tomografias computadorizadas e uso de contraste, o momento exato em que monges budistas e freiras católicas mostravam estar em contato com o que consideravam uma esfera divina – eles, por intermédio da mais profunda meditação; elas, por meio de fervorosas orações. O pesquisador notou uma desativação quase total da área do cérebro responsável pelo senso de orientação. Isso resulta na sensação prazerosa de que se está desligando do corpo físico. O desligamento cerebral captado por Newberg é a prova material do que mais próximo existe do nirvana budista, do qual já se falou, e dos êxtases de que a literatura católica é repleta.
Do ponto de vista médico, uma das grandes vantagens das técnicas que trabalham a mente é que não há contra-indicaçã o. "Mas é importante deixar claro que nenhum especialista sério minimizaria a importância dos remédios", diz o cardiologista Herbert Benson. Segundo ele, a longevidade e o bem-estar das pessoas estão baseados num tripé: remédios (não há substituto para a penicilina, por exemplo), cirurgias (a única saída para uma grande quantidade de problemas) e os cuidados pessoais (que incluem exercícios para o corpo e para a mente). Ou seja, a medicina preventiva agora prescreve não só dieta e ginástica, como também o cultivo das emoções e dos pensamentos positivos.
Fonte: Cibernética Mental http://www.ciberneticamental.com.br/
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