por João Carvalho Neto - joaoneto@joaocarvalho.com.br
Estes são termos muito utilizados por todos para se referirem ao sentimento de importância própria com que cada um de nós convive.
À falta desses sentimentos, surgem a carência, a baixa autoestima, que caracterizam um ser que não se ama o suficiente para agir em função de seus interesses.
Mas como tudo isso acontece?
Quais os mecanismos psíquicos que envolvem estas construções?
Algumas elucidações são necessárias para tentarmos elaborar nossas ideias.
Claro que isso exigiria terminologias mais técnicas, do que me abstenho para desenvolver o tema, dentro do possível, ao alcance do público leigo em Psicanálise.
Inicialmente, é preciso compreender que existe uma energia psíquica, a que chamamos libido, responsável pelo investimento de amor, tanto em relação aos outros quanto a nós mesmos.
Nos primeiros tempos de nossas vidas, ainda na primeira infância, esta libido se encontra quase totalmente voltada para o próprio indivíduo, naquilo que denominamos narcisismo primário.
É um estado, natural nesse período, em que a criança se encontra egocêntrica, sentindo o mundo como se girasse em função exclusivamente de seus próprios interesses.
Por este estado é que um bebê chora exigindo mamar, independente do que possa estar acontecendo; somente seu desejo existe.
Com o passar do tempo, ele vai aprendendo que existem outros seres, outros desejos que ele vai ter que considerar, iniciando a vida de relação.
Nesse período, o amor por si mesmo é absoluto, e o autoamor futuro, na vida adulta, vai depender muito de como esta criança vai avançando e amadurecendo seu narcisismo.
Ou seja, uma autoestima saudável será o remanescente do narcisismo primário, sem o caráter egocêntrico infantil que inviabiliza a vida de inter-relação.
No estado de narcisismo primário, a criança se sente totalmente preenchida de valor, como se ela se visse perfeita, isenta de falhas.
Durante o processo educacional esse mito vai caindo por terra; ela se vê alvo da censura, de críticas, de informações sobre si passadas por pessoas que ela aprendeu a amar e considera.
Além disso, passa a viver experiências de sucesso e fracasso que, quando mal conduzidas pelos educadores (pais, familiares e professores), podem deixar feridas profundas nos remanescentes narcísicos.
Então, este indivíduo tenta criar um ego ideal para si mesmo, uma imagem que possa ser melhor aceita por ele, pela família e pela sociedade em que deseja se inserir.
Se consegue ser bem-sucedido, pode se autoapaixonar novamente, correndo o risco de retomar o narcisismo original e esquecer os aspectos de sua personalidade que precisam ser trabalhados e desenvolvidos para se tornarem melhores.
Ou seja: "eu sou o bom e todo mundo está errado".
Esses pontos cegos, criados pelo ressurgimento do narcisismo, tendem a gerar muita angústia ao longo do tempo, além de isolarem a pessoa que vai se tornando insuportável.
Por outro lado, se ele não consegue criar um ego ideal satisfatório, pode se tornar profundamente dependente da opinião das pessoas, valorizando mais as relações do que sua própria individualidade, ficando refém daqueles que espera que o amem.
E, quando encontra alguém apaixonado, se entrega e passa a investir sua libido totalmente nesta pessoa, não sobrando energia para manter seu sentido de autovalorização.
São os carentes, dependentes, inseguros, etc.
Bem... diante de tanta tragédia psíquica existe uma solução saudável que sustente uma autoestima positiva?
Vamos considerar que a existência de um ego ideal é inevitável.
Vivemos em um mundo de aparências e, para nele sobrevivermos, temos que manter um certo nível de aceitação social.
Sem uma hipocrisia razoável ninguém se insere.
Imagine, leitor amigo, se você demonstrasse publicamente tudo o que sente e passa pelos seus pensamentos...
Melhor deixar pra lá!
A grande questão é que esse ego ideal não seja uma máscara suficientemente densa para que você se esconda de si mesmo.
Como você poderia realmente se amar tentando se apaixonar por uma imagem que sabe ser irreal?
Na verdade, este autoamor pelo ego ideal é o mesmo do narcisismo primário: antes, um autoamor que desconhecia possibilidades de falhas (quando criança), e agora um autoamor por uma imagem de perfeição irreal criada para se proteger dentro dela.
O grande desafio é resgatar a energia psíquica da libido narcísica e se apaixonar pelo que você é, pelas suas virtudes mas também pelas suas imperfeições.
É se apaixonar pelas possibilidades enriquecedoras de trabalhar por elaborá-las, tomando-as não como algo desprezível mas desafiador.
É aceitar-se tal qual se é, mas com motivação para transformar o que seja possível, sem quimeras ideais nem recriminações derrotistas.
E, um ego forte - por se amar - e flexível - por se aceitar nas suas dificuldades - será sempre muito mais saudável e capaz de enfrentar com otimismo os embates de sua vida.
João Carvalho Neto
Psicanalista, autor dos livros
"Psicanálise da alma" e "Casos de um divã transpessoal".
www.joaocarvalho.com.br
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