quarta-feira, setembro 25, 2013

Guia para Ser Feliz em Tempos Difíceis

A tal luz ao fundo do túnel foi mesmo desligada ou ainda há razão para ter esperança?


Recebemos más notícias todos os dias. Já nem ligamos a televisão porque o médico nos proibiu de ver o telejornal. Temos menos dinheiro a cada segundo que passa. A crise transformou-nos a todos em economistas à força. No meio de tudo isto, que felicidade possível nos resta, para lá da indignação?

Foi a indignação que levou o médico João Magalhães a trazer para Portugal a Organização Felicidade Global (www.felicidadeglobal.com) que tem como missão promover a felicidade a nível mundial com base em evidências científicas. “Ao longo do curso de medicina comecei a deparar-me com os cortes sucessivos na área da saúde, com doentes que já não tinham dinheiro para comprar os medicamentos nem para o transporte até ao hospital”, recorda João Magalhães. “Ao mesmo tempo, vi que queriam construir mais autoestradas e aeroportos, e punha-me a pensar como é que havia dinheiro para autoestradas e não havia dinheiro para transportar os doentes para os hospitais. Fiquei irritado, a irritação levou-me a investigar mais sobre o tema, e a revolta levou-me a tentar dar o meu contributo para que as coisas fossem diferentes.”

A Organização Felicidade Global começou na Suécia em 2007, e em Portugal já vai com mais de 300 membros, todos acreditando que afinal sim, é possível ser feliz...

De que é feita a felicidade?

Segundo o primeiro Relatório Mundial sobre a Felicidade apresentado pela ONU, os países mais felizes são os do norte (Dinamarca, Noruega e Finlândia), onde há mais qualidade de vida. Portugal fica mais ou menos a meio da tabela (73ª posição). “Os estudos mais recentes mostram uma relação muito forte entre a felicidade e a saúde”, confirma João Magalhães. “A seguir vem um emprego estável, e relações estáveis a nível familiar e social.”

Então o dinheiro sempre traz a felicidade? “Até estarem asseguradas as necessidades básicas como a alimentação, a saúde e uma casa em condições, o dinheiro é essencial. Mas a partir daí, quanto mais rico se é, menos diferença faz na felicidade das pessoas e na sua satisfação global com a vida.”

Se há povos com mais vocação para a felicidade, os estudos ainda não descobriram.

“Mas empiricamente, sabemos algumas coisas”, acrescenta João. “Por exemplo, em Portugal, como nos outros países mediterrânicos, as pessoas dão muito valor à fraternidade e aos amigos, o que nos torna mais aptos a sermos felizes. O clima também é importante, mas os dinamarqueses têm pouco sol e são os mais felizes, o que significa que a estabilidade económica supera a importância do clima. Ou seja, tudo depende daquilo que é um prazer momentâneo e do que é permanente. O sol é um prazer momentâneo, a estabilidade é permanente. Por isso distinguimos entre a felicidade do momento, ligada ao prazer, e a felicidade global.”

Mas mesmo a felicidade pode trocar-nos as voltas. “Fiquei surpreendido com um estudo que concluía que os casais que tinham filhos acabavam, ao longo do tempo, por ser menos felizes. Há momentos de prazer inacreditáveis ao ver um filho progredir na vida, mas a noção de responsabilidade era maior.”

Conclusão: é importante dar mais valor à felicidade. “E é importante que a política seja orientada para aquilo que de facto faz a felicidade das pessoas, e contribua mais para isso.” E porque é que não contribui? (Pausa) “Ainda estou à procura dessa resposta...”

Ser feliz não vende

Quem parece ter parte da resposta é o psicólogo Vítor Rodrigues, autor do livro ‘Tranquilamente (Esfera dos Livros)’, onde reflete sobre as consequências da vida angustiada que vivemos. Portugal tornou-se um país de stressados porque entrou em carência e os nossos governantes não estão a saber apontar horizontes de esperança e recuperação, defende.

E então, perguntámos, o nosso mundo está a destruir-nos? “Em certa medida, está a destruir-nos porque nos deixamos invadir por valores e referências falsos, que não nos ajudam a viver”, nota Vítor Rodrigues. “Dizem-nos que, para sermos apreciados e felizes, temos de viver cheios de objetos de consumo caros. Como não havemos se nos sentir impotentes e desanimados?”

Ou seja: estamos mal e ainda nos fazem sentir pior... “Pois. Repare: nós somos manipulados por todos os lados para sermos coisas que não nos ajudam e comprarmos coisas que não nos fazem falta. Isso não faz sentido nenhum, e é natural que ao fim de algum tempo nos torne infelizes. Essa sofisticação imensa dos meios de propaganda é completamente diferente do que havia no tempo dos nossos avós.”

Ou seja, parte 2: a nossa ausência de felicidade é, em parte, criada artificialmente, e faz parte de um plano muito mais vasto do que julgámos. O nosso medo interessa a muita gente, e a nossa insatisfação faz vender. É isso?

“Claro. Repare em todos os produtos que vão ao encontro do medo: os seguros, os medicamentos, as evasões... Neste momento, se eu estou cheio de medo de terroristas, aceito medidas de controlo e tipos de liderança que de outra maneira não aceitaria...”

Andamos stressados porque nos sentimos constantemente ameaçados. Basta ligar a televisão e entramos em pânico, porque só nos dão más notícias. E isso não acontece só porque somos maus contadores de histórias. “A curiosidade também pode ser estimulada pela positiva”, nota Vítor Rodrigues. “O problema é que não há muito interesse em fazer isso, e aposta-se nos instintos mais básicos do sexo e da violência, em vez de recorrer a tentativas mais sofisticadas de passar mensagens éticas.”

Podemos proteger-nos da infelicidade

Portanto, somos manipulados para sermos infelizes. Pergunta óbvia: que fazer para nos protegermos? “Tomar consciência e aprender a reagir. Interessa às grandes companhias que os consumidores não sejam informados nem sofisticados, porque consumidores sofisticados podem com facilidade fechar uma empresa. Basta dizerem, ‘não consumimos isto’.”O problema é que também ainda não atingimos esse nível de consciência.

Também ainda estamos longe de treinar o autocontrolo. “Muitas pessoas são analfabetas no que toca à gestão do próprio corpo e espírito, não sabem que podemos aprender a gerir as emoções. Acontece-me estar zangado, e achamos que não há nada a fazer. Estou furioso e digo, ‘Sou assim, paciência’. Mas temos de aprender a reduzir, gerir, aparar emoções. Porque isso nos dá um aumento imenso na nossa liberdade e bem estar.”

A trama adensa-se: interessa que sejamos infelizes, descontrolados, e pouco saudáveis. “Não percebemos que interessa à sociedade de consumo que estejamos podres, porque quanto mais cedemos à cultura do hedonismo e do prazer imediato que não exige esforço, mais coisas se nos pode vender”, explica Vítor. “O esforço atualmente é condenado como uma coisa horrenda, quando dantes era visto como algo honrado. Mas a quem vende produtos destinados a poupar esforço não interessa que nos esforcemos.”

Socorro! Vivemos numa teoria da conspiração? “Não, vivemos numa sociedade criada artificialmente nos anos 50 pelos americanos. É perfeitamente possível fazer um ferro de engomar ou um carro que dure cem anos. Mas às companhias interessa que dois anos depois aquilo fique fora de validade. Isto, que é anti-ecológico, é cultivado em nome do lucro. Toda a ideia da sociedade do lucro partiu da ideia de que podíamos ter uma expansão ilimitada do consumo, mas não podemos. O planeta tem recursos limitados.”

O amor é para os fracos

Bem vindos à infelicidade global. E a família, que devia ser um foco de bem-estar, também não ajuda: achamos que os mais próximos têm de nos aturar, mas a proximidade torna-nos ainda mais agressivos. “Mesmo às crianças a televisão passa a ideia de que ser agressivo, aldrabão e desonesto é recompensado e bem visto”, nota Vítor Rodrigues. “Este tipo de cultura está a preparar as pessoas precocemente para a competitividade e para a agressividade. Ser forte é o mais importante, e nada disto favorece que as pessoas aprendam a amar, porque o amor é visto como um sentimento de fracos. Resultado: é preciso uma resistência moral imensa para lutar contra estes preconceitos.”

E no meio disto tudo, ainda é possível ser feliz? “Claro que sim. A chave da felicidade consiste em descobrirmos e realizarmos o nosso potencial. Ou seja, sermos quem somos e realizarmos aquilo que pudermos.”

O problema pode ser precisamente descobrir quem somos... “Ora aí está. A nossa sociedade não nos ajuda a conhecer-nos, aponta-nos para fora e não para dentro. Porquê? Porque, se me conhecer em profundidade, dou por mim a ser reconduzido a valores muito simples como amar e ser amado, estar em contacto com a natureza, viver em paz, fazer exercício, e tudo isto é grátis. Se, para ser feliz, preciso de um telemóvel e de uma mala nova, já estou a pôr a minha felicidade fora de mim. Ou seja, a minha dor e a minha raiva estão associados àquilo com que eu me identifico. Se me associar com a minha pasta de cabedal nova, se alguém me faz um risquinho, já nem durmo. Se me estiver nas tintas para a mala que uso, mais mancha menos mancha está-se bem.”

Ou seja, o facto de a nossa sociedade estar baseada na imagem traz-nos fragilidades difíceis de driblar. O autoconceito construído socialmente hoje em dia torna-nos extremamente vulneráveis, porque está centrado na imagem exterior, que é muito fácil de afetar.

Então mas se me der prazer uma mala nova, isso é mau? (Ai Pepa, Pepa..) “Não, mas pode querer dizer que está a ser enganada. A felicidade real depende simplesmente de termos saúde para realizarmos o nosso potencial e felicidade espiritual para vivermos emoções baseadas na sinceridade, na frontalidade, na partilha, que traz a sofisticação emocional. Depende de estar ligado a uma realidade mais ampla que me transcende. Mas tudo isso é o contrário daquilo que esta sociedade está a propor às pessoas.”

CAIXA

As Cinco Chaves da Felicidade

Segundo a Organização Felicidade Global, existem cinco dicas que promovem a nossa felicidade e não dependem de haver ou não crise:

- Ligue-se –  Alimente as suas relações com a família e os amigos.

- Seja ativo – Ande, cante, salte, dance, faça desporto, mexa-se.

- Esteja atento – Evite estar com a cabeça noutro lugar.

- Aprenda – Aprenda qualquer coisa nova todos os dias, toda a vida.

- Dê – ... e partilhe, sem esperar nada em troca.

Fonte: http://activa.sapo.pt/vida/sociedade/2013-08-30-guia-para-ser-feliz-em-tempos-dificeis

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