Todos nós seres humanos queremos a felicidade, e lutamos para escapar do sofrimento. Temos projetos para nossa vida, compromissos com as nossas famílias, contas a pagar, sonhos a realizar. Tudo isso está dentro do mundo E este mundo vive atualmente um processo de grandes mudanças. E rápidas, e muito exigentes.
Os jornais falam em crises e obstáculos para suas superações. A todo o momento a globalização redefine o mapa do mundo, dos investimentos, das megafusões. A cada redefinição, o temor da perda de emprego, do status, o rebaixamento de salário, incertezas sobre os novos esquemas e relacionamentos de trabalho. As inseguranças agitam e inquietam a mente humana. Ansiedade, tensão, estresse. No vórtice desse processo, a mídia lança o imperativo que abrange também os trabalhadores de alta qualificação, executivos, gerentes: Atualizar-se, se informar, aprender novos métodos, novas tecnologias, estar a par de tudo. Mudanças aceleradas, pressões, novas mudanças. Ousar, ser criativo, eficiente. Mudanças, mudanças, mudanças, ou seremos postos à margem da vida social e econômica. O desafio está colocado.
Para examiná-lo, precisamos nos fazer algumas perguntas, cujas respostas nos ajudem a direcionar as ações que sejam propícias para suas soluções. Quais são as mudanças que nos são exigidas? Em que áreas de nossa vida: profissional-financeira? Físico-afetiva? Familiar? Psíquica? E como fazê-las? Quais habilidades são exigidas a cada redefinição? Ainda mais: qual o limite de nossa capacidade humana de mudar nossos padrões nas várias áreas de nossa vida, e numa velocidade cada vez mais acelerada? Qual o custo físico e psíquico desse esforço? Todos suportam esse mesmo esforço exigido? E aqueles que não suportam, carregarão perante seus familiares, ambientes de trabalho e amizade, o estigma de “incapazes, lerdos, fracassados”? E o que é mais dramático, como se verão diante de si mesmos? E por último: onde fica a nossa condição humana nisso tudo? Essa pergunta nos remete diretamente a outra mais sutil e profunda: o que somos nós seres humanos, quais são nossas necessidades? E esta pergunta nos remete a uma ainda mais profunda: qual o propósito, o significado do viver humano?
Há dois mil e quinhentos anos atrás, na Índia, o príncipe Sidhartha Gautama, aquele que se tornará o Buddha Shakyamuni, fez a si mesmo as mesmas perguntas: onde está a felicidade, de onde vem o sofrimento?
Dois milênios e meio se passaram. Hoje temos mais recursos materiais, maiores comodidades foram conquistadas pelo progresso tecnológico: aviões, automóveis, computadores, celulares, medicina, informação, aumento da expectativa de vida e muitas outras coisas úteis ao nosso conforto, recursos que aliviam em certa medida nosso sofrimento. Com o avanço dos recursos materiais, poderíamos esperar que o ser humano trabalhasse menos, e com isso ganharia mais tempo para seu lazer, sua vida familiar, sua vida criativa. Isto estaria acontecendo? Pois o que se ouve são queixas de que se têm cada vez menos tempo para o lazer, a vida familiar, a vida criativa, e que as pessoas se sentem inseguras, solitárias, com medo de perder o emprego, de se tornarem obsoletas, sob crescente pressão das mudanças para situações desconhecidas. Porque tantas notícias sobre o aumento da depressão, enfarte, divórcios, obesidade, colesterol?
Comecemos com o que nos é mais próximo: a funcionalidade que se espera que tenhamos em nossa área profissional, pois esta área gerencia nossa sobrevivência material. A funcionalidade profissional é como um braço de um corpo. Sua função é prover nossas necessidades materiais básicas, mas não apenas isto: prover também o desenvolvimento de nossas habilidades, que se ligam ao nosso senso de auto-realização. Mas se entramos numa academia e passamos todo o tempo fortalecendo apenas nossos braços, o que acontecerá? Uma atrofia das outras partes do corpo, e o desequilíbrio geral.
Na analogia da funcionalidade dos membros de ume corpo, não é só um corpo físico que está em questão, mas nossa vida psíquica-emocional, os pulmões e cérebro deste corpo complexo que é ser humano. Como podemos, usando os desafios colocados para nossas atualizações profissionais, tomá-los como alavancas para refletirmos sobre nossos projetos e padrões condicionados com que direcionamos as ações de nossas vidas? Isso não nos ajudaria a traçar quais mudanças escolheremos, em que proporções, e quais teremos de aceitar por força das contingências?
Mas há um outro lado que nos envolve: não somos apenas aqueles que sofrem as mudanças. Somos co-responsáveis pelas mudanças cujas conseqüências caem também sobre nós. Temos de incluir isto também na reflexão de nossas vidas: as escolhas que nós – individualmente e ao nível da sociedade – fazemos, e as conseqüências dessas escolhas, não só para nós, mas também para muitos. Não podemos ignorar que há uma interdependência essencial entre todos os seres vivos. Não será que estamos esquecendo o fato de que nossa condição humana não se restringe apenas à nossa dimensão material e psíquica-emocional? Talvez nosso modelo de felicidade tenha uma falha séria: o quanto estamos investindo no centro íntimo da nossa mente humana, a matriz espiritual mais profunda de nossa felicidade? Não precisaríamos rever o modelo de felicidade que cada um de nós está construindo para si mesmo?
Lembremos que um dia, tudo que nos é querido será deixado para trás. E nesse momento, o que teremos ao nosso favor será o que tivermos construído globalmente durante nossa vida. (...)
Arthur Shaker
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