domingo, setembro 12, 2010

O Dom

Imagine que quando nasceu sabia que era um mestre, que tinha poderes infinitos, que tinha um dom único e que tudo o que precisava para oferecer o seu dom ao mundo era desejar fazê-lo.

Imagine que veio a este mundo com o seu coração carregado do poder da cura do amor e que o seu único desejo era oferecer esse amor a todos os que se aproximassem de si.

Imagine ainda que tinha todo o poder para criar a vida que desejasse para si, com todas as suas necessidades preenchidas.

Seria possível que, a dada altura, se apercebesse que nem todos eram como você? E que se apercebesse ainda que não só tinha a capacidade de iluminar todo o mundo mas, ainda mais poderoso, você era a luz do mundo?

Seria possível que, até certa altura, não só sabia quem era ao nível mais profundo do seu ser mas também que sentia a alegria contagiante que brotava de si?

É capaz de parar agora, só por uns momentos, e recordar um tempo em que tudo o que disse até aqui era verdade.

Depois aconteceu qualquer coisa. O seu mundo mudou. Algo, ou alguém, colocou uma sombra sobre a sua luz. A partir desse momento você começou a sentir receio pelo seu precioso dom, a temer que se perdesse e se tornasse desprotegido no mundo. Sentiu que se não escondesse o seu dom, poderia ser abusado, magoado, ou ser-lhe retirado.

Foi nessa altura, com toda a criatividade de uma criança, que decidiu esconder o seu dom. Criou uma falsa personalidade, um acto, um drama, uma história, por forma a que ninguém desconfiasse que possuía o seu dom. E foi muito bom a esconder esse dom. Na verdade foi tão bom a esconder o seu dom, que acabou por se esquecer dele. Convenceu primeiro os outros, que o rodeavam, e depois convenceu-se a si mesmo. E tudo porque estava a ser o melhor guardião possível para o seu dom. Estava a proteger o que de mais sagrado havia em si.

Foi tão criativo que conseguiu manifestar o exacto oposto daquilo que é na verdade, por forma a proteger-se a si mesmo daqueles que poderiam ficar chateados, ou magoados, ou com raiva ou inveja do seu dom.

Não só se esqueceu que tinha escondido o seu dom, como se esqueceu que alguma vez o possuiu. A sua luz, o seu amor, o seu poder, a sua beleza, perderam-se dentro da história que contou aos outros e a si mesmo. Esqueceu-se que guardava um segredo.

A partir desse momento sentiu-se perdido, só, separado e com medo. De repente apercebeu-se que faltava qualquer coisa – e faltava. A dor da separação do seu dom foi como perder o seu melhor amigo. Por dentro passou a sentir a dor de regressar ao seu eu verdadeiro.

Foi aí que começou a procurar no exterior algo que preenchesse o vazio interior, para que se sentisse melhor. Procurou em relacionamentos, noutras pessoas, nos seus sucessos, nos seus prémios, nos seus empregos, sempre à procura de algo. Procurou no seu corpo e na sua conta bancária, em busca de um sentimento perdido.

Talvez, como eu, era conduzido por sentimentos de inferioridade, de não ser merecedor, que estavam tão entranhados em si, que passou a maior parte da sua vida em busca de algo que faltava. Mas em cada sitio em que buscava regressava de mãos a abanar.

Aí pelos 6 anos de idade desistiu de procurar e escolheu conformar-se. Este conformismo até pode ter parecido inconformismo para os outros. Mas o sentimento de não ser o suficientemente bom, de não fazer as coisas suficientemente bem, de não ser verdadeiro, estava instalado.

Talvez mais tarde tenha decidido voltar a procurar. Procurou em seminários, em consultas, em relações danosas. E sempre à espera que outros o validassem. Sempre à espera de encontrar algo. E sempre, sempre, fora de si.

Mas é dentro de si que está o maior tesouro. É dentro de si que está tudo aquilo que o mundo anseia por experienciar. O seu dom.

Quando é que vai ter a coragem de despir todos os preconceitos que foi utilizando para se proteger? Quando é que vai ter a coragem de se aceitar na totalidade e abrir os braços ao seu dom? Não acha que está na altura de Ser?...

De qualquer forma, e independentemente do que fez ou deixou de fazer, você sempre foi digno de amor.


http://www.emidiocarvalho.com/artigos_O_Dom.htm

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