domingo, outubro 28, 2012

ABRAÇA, SORRI E DÁ A MÃO

Encontro num abraço, a cápsula do tempo. Não deste tempo, de outros, em que sendo os mesmos éramos de aspecto diferente. O afecto proporciona-nos isso mesmo, viagens ancestrais, laços eternos e momentos que perduram. É a mais íntima das intimidades, a anos-luz do beijo e do sexo e, talvez por isso, a menos recorrente. Nem sempre te dás a conhecer quando beijas alguém e nem sempre te entregas na cama, mas num abraço, não há como não fazê-lo, és tu no teu todo. Naturalmente, refiro-me a verdadeiros abraços, àqueles, sem pancadinhas nas costas, em que os peitos estão um contra o outro e com o outro, onde deixa de existir passagem de ar entre os corpos e as almas acoplam. Este abraço é inesquecível. A corrente de emoções é tão forte que o amor se faz ali mesmo, quer estejamos sozinhos ou no meio de uma multidão.

O beijo e o sexo é uma coisa de corpos, alimentam o nosso apetite, o abraço é assunto da alma, via verde entre dimensões. No abraço temos, de facto, a oportunidade de conhecer, verdadeiramente, as pessoas, mas isso só acontece porque elas aceitam assumir a sua vulnerabilidade, o seu cansaço, as suas frustrações e todas as desilusões que lhes pairam na cabeça. Onde é que já se viu isso na cama? Não se vê. Porquê? Porque o ego não deixa. O abraço é, assim, uma espécie de confessionário, onde as pessoas se convertem aos outros e procuram ajuda, direcção e paz.

Queres, efectivamente, conhecer alguém? Abraça. Mas nem só de abraços se faz o afecto.

O afecto é a linguagem do silêncio e no silêncio mora tudo o que não cabe nas palavras. Um simples olhar pode alterar o estado de uma pessoa, pode levá-la a pensar que é aceite, que não está sozinha nem perdida, que afinal há vida para além da sua. Um sorriso tem o mesmo poder, mas é mais contundente. Promove a ação, a aproximação entre as pessoas, a curiosidade de conhecer. Dar a mão. Tantas vezes te falo nisso. Duas mãos abraçadas é sempre o princípio de qualquer coisa. Afinal de contas, tocamos primeiro com o que está mais à mão, certo? A energia que flui de uma mão para a outra consegue amenizar bloqueios, derrubar preconceitos, apaziguar medos e mergulhar a pessoa num mar de confiança, estima e segurança que jamais experimentara. Não me refiro à mão dada dos namorados, refiro-me, sim, àquela que vem de onde menos esperas e te diz para teres calma, para estares atento e que nada nem ninguém te fará mal.

O afecto é magia.

Tanto promove o reencontro das almas, como o encontro dos homens. É muito para lá da comunicação, mais intenso e verdadeiro, menos composto e confuso. É o que é e é tanto. Somos nós abraçados, de mão dada ou num cafuné, são os nossos olhos, o nosso sorriso. É o nosso silêncio, o lugar onde nos podemos redimir e ganhar coragem. O ponto de encontro com o melhor da vida.


in "Arrisca-te a Viver", 2012
Fonte: http://gustavosantosescritor.blogspot.pt/2012/10/abraca-sorri-e-da-mao.html

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