quinta-feira, abril 22, 2010

Sobre o animal de poder

Tenho visto alguns comentários sobre animal de poder e xamanismo em geral, e creio que seria interessante tecer alguns comentários sobre o Tema.

Primeiro é importante compreender o que é o xamanismo, pois desde algum tempo este tema entrou para o clube dos assuntos: "da moda" que se tem um lado positivo de ser mais divulgado e conhecido, tem o lado ruim de ser abordado com muito superficialismo.

Existem dois momentos no xamanismo. Você pode estudar o xamanismo, participar de cursos e vivências onde o conhecimento xamânico lhe dá ferramentas para melhor viver, lhe ajuda a lidar melhor com essa instigante e complexa aventura chamada vida. É como uma pessoa fazendo um curso com um nutricionista. Vai aprender a usar melhor o alimento, a descobrir uma dieta adequada a sua realidade orgânica e aos gastos que tem com seu estilo de vida. Mas ao fazer um curso desses a pessoa não sai formada em nutrição, ela está aproveitando dos conhecimentos dessa área para viver melhor. Da mesma forma ninguém se torna xamã porque fez um curso.

Não existem cursos de formação de xamãs, se você fez algum ou foi convidado para fazer muito provavelmente está sendo grosseiramente enganado.

O xamanismo é um caminho e como todo caminho não pode ser plenamente definido e compreendido a menos que seja trilhado. E tornar alguém xamã é trazer essa pessoa para dentro de uma egrégora, uma egrégora milenar , pois o xamanismo é uma tradição milenar que de forma direta e ininterrupta veio até nossos dias. Assim o trabalho árduo de tornar-se um xamã é algo que exige anos de dedicação, só possível por um contato pessoal e constante com a tradição e seus guardiães.

Menos de 30 anos direto de estudo e práticas não criam a mudança necessária para um xamã pleno. Por isso sempre digo que sou um aprendiz de xamanismo, não um xamã pleno, que é outro estágio bem mais complexo. Pois há uma diferença muito grande entre estudar um caminho, conhecer um caminho e trilhar um caminho. Existem dois ramos do xamanismo quanto a iniciação de novos membros da linhagem. Em um deles o iniciador escolhe ou aceita quem lhe procura por seus próprios critérios. Noutro, do qual faço parte, só é aceito um nova aprendiz se "sinais", "augúrios" confirmam que a pessoa está de fato pronta para trilhar o árduo caminho do xamanismo.

Antes de mais nada temos que lembrar que o xamanismo é oriundo de povos nativos, que viviam em estreita relação com a natureza, logo o primeiro passo para lidar com o xamanismo é recuperar esse elo com a Vida e com a Natureza, especialmente com a Mãe Terra, elo esse que está enferrujado, atrofiado na maioria dos seres urbanos de nosso tempo. Existem muito meios de se iniciar a senda do xamanismo. Existem visões fortes ou acontecimentos incomuns que marcam alguém e revelam a um xamã já iniciado que a Fonte de Tudo está apontando aquela pessoa para ser um aprendiz. Este método é considerado o mais adequado pois evita que preferências pessoais interfiram no processo e garantem que a continuidade do conhecimento está sendo determinada por um estância de força superior, que vai portanto "cuidar" e " auxiliar " o aprendiz.

Outra forma comum de se aproximar do caminho xamânico é chamado de "doença do xamã". Sem nenhuma causa detectável uma pessoa adoece ou cai em depressão profunda, perde a vontade de viver. Então descobre-se que ela tem a doença do xamã. Ela encontra um xamã e então este tem algum sinal que deve, não apenas curar, mas também fazer daquela pessoa herdeira e continuadora de seus conhecimentos. Um processo inciático tem início então e um ser humano vai começar a fascinante aventura de abandonar os limites da condição humana e partilhar com entes e deuses, com seres de outras linhagens de evolução vivências que o levarão a ser de fato "além do humano". Um xamã pode ser um curador, um contador de história, um guerreiro ou um caçador. Pode dançar para expressar o poder, cantar e tantos outros aspectos da arte, alguns inclusive impossíveis de serem descritos ao ocidental civilizado que desconhece a riqueza do mundo no qual os nativos viviam.

Existe uma diferença entre um curandeiro e um xamã curandeiro. Lidar com ervas por exemplo. Um curandeiro lida com ervas por ter herdado este saber de outro herbolário, ele "estudou" o saber que domina. Um xamã "fala" com o espírito das plantas, ele pode entrar em qualquer mata ou floresta e vai saber para que cada planta serve, mesmo que nunca tenha aprendido nada sobre elas, as plantas lhe contam sobre suas virtudes terapêuticas. Um xamã é um intermediário. Ele vive simultaneamente neste mundo e em mundos outros que não este. Tornar-se um xamã é ampliar de forma incompreensível ao civilizado, as capacidades perceptivas normais.

Vivemos num mundo muito vasto, como uma grande cebola, cada camada é um mundo diferente, com seres diferentes, com forças diferentes atuando. Em nosso mundo temos 3 reinos principais perceptíveis (não vou considerar aqui reinos como o monera ou fungi da biologia moderna deixando os mesmos na classificação geral de animais e plantas, mas num estudo mais profundo precisaríamos estudar o vírus, inclusive porque alguns xamãs atribuem um papel importante no desequilíbrio da raça humana pelo contato e domínio desses seres, para alguns xamãs nos tornamos vetores de vírus e nosso comportamento é virótico e não de mamíferos, isto foi brilhantemente colocado no filme Matrix, mas é tema para outro momento.)

O reino mineral é para nós, em nosso estado "normal" de consciência inerte e chega-se a dizer que não está vivo.

Dentro do conceito orgânico de vida deveríamos dizer, mas o fato é que pedras, minerais tem seu nível de consciência próprio e podem ser "acessados" pelo xamã em seu trabalho.

As plantas tem outro nível de consciência e é interessante como o fato de tal nível de consciência não ser tão perceptivo aos seres humanos encontramos certas linhas que defendem um vegetarianismo como algo "superior" ao regime carnívoro. O fato de não ouvirmos os lamentos de uma planta ao ter sua vida ceifada apenas permite que não percebamos que o fato de que sempre há uma vida sendo sacrificada para que outra continue.

Fosse uma alface ou um boi, ambos sonhavam em ter mais um por do sol, mais uma chuva, mais um céu estrelado e a forma de honrar a vida que se foi para que a nossa fosse alimentada é usando nosso dom da vida de forma plena e recompensadora.

Assim um(a) xamã tem aliados na natureza, pois ele (a) é parte da natureza e tem em si todas as forças , está ligado(a) a todas as forças circundantes.

Um (a) xamã tem um mineral ou pedra de poder, um tipo de pedra ou mineral que serve de "base" para seu trabalho, que o energiza, onde seu poder se "assenta".

Tem também uma planta de poder, uma planta que é sua "companheira e apoio" no mundo da magia.

Um xamã que tenha um eucalipto como planta de poder, por exemplo, vai poder sempre restaurar a energia gasta em seus trabalhos ou ampliar a sua ainda mais quando dormir encostado ou dependurado numa árvore dessa. Se tiver seu poder bem desenvolvido quando chegar numa região receberá informações que precisar sobre a mesma, dos seus "aliados" eucaliptos.

Se se perder num lugar, precisar passar a noite num ponto desconhecido, basta encontrar uma árvore da mesma espécie da sua de poder e ela o guardará eprotegerá.

E então chegamos no animal de poder.

Este tema é muito importante, mas mais importante é entender que numa iniciação xamânica completa o (a) aprendiz começa descobrindo seu mineral ou pedra de poder, que lhe dá base, depois sua planta de poder, que vai lhe "religar " a Terra, vai ajudar a nós, seres móveis, encontrar um enraizamento não estático em relação a mãe Terra e só então poderá encontrar plenamente seu animal de poder.

Encontros fortuitos podem ocorrer antes por diversas razões, mas apenas ver e saber qual é seu animal de poder não quer dizer que ele esteja integrado a sua realidade existencial plena.

Sabemos intelectualmente de tantas potencialidades nossas e no entanto isso não quer dizer que as tenhamos plenamente manifestas em nossas vidas e atuantes.

Hoje é moda ir a uma jornada xamânica de fim de semana ou menos que isso e ter "viagens" onde o animal de poder se apresenta.

Eu vejo que nisso pode existir fantasia sem fim se não for corretamente desenvolvido.

O trabalho de aproximação do animal de poder exige um rito, pois não é a mente que vai atrair o animal de poder e a mente aqui pode fantasiar, não captar a realidade.

Vejam que tais práticas vem de um povo com outros paradigmas culturais, assim temos que ter cuidado para compreender o que é realmente um animal de poder.

Um animal de poder é a expressão da força de um xamã dentro de outro reino.

Assim como nós "temos " um animal de poder ele nos "têm" .

É uma troca justa , há um equilíbrio de poder aqui e a partir do momento que nós despertamos este elo ambas as partes passam a ter um grande responsabilidade.

Pois assim como podemos evocar nosso animal de poder para certas "ajudas" ele também pode nos chamar para auxiliá-lo em sua esfera.

O ocidental civilizado se aproxima da idéia de animal de poder com sentimento de posse e uso como faz com tudo.

Pensa que o animal de poder é mais um item, mais um acessório que ele tem para usar, que ele pode comprar como tenta comprar tudo a sua volta.

Mas não tem nada disso nessa relação é outro caminho outra abordagem que leva ao reino do animal de poder.

Um animal de poder é um batedor e um guia do (a) xamã em outros mundos, é uma fonte de força constante para o (a) xamã.

A relação entre um xamã e um animal de poder é muito complexa para ser descrita em palavras e deve ser abordada com todo cuidado e discernimento, pois muitos xamãs chegam a morrer quando seu animal de poder é ferido ou morto.

O mais importante, nada mais tolo que revelar aos quatro ventos seu animal de poder. Entre os xamãs isso é um segredo muito bem guardado só partilhado dentro de seu clã.

O xamanismo é um campo feroz, onde verdadeiros combates podem ser travados e assim como um homem pode prender e escravizar outro homem um xamã deturpado pode também capturar o animal de poder de outro resultando em desequilíbrio e doença para a vítima.

Aí vem a questão: pessoas não xamãs tem animais de poder?

Sim e podem aprender a se sintonizar com os mesmos e usufruir de todo poder que isto representa, principalmente em termos de saúde e força de decisão.

O importante é que a abordagem seja feita de forma sensata e dentro de uma prática efetiva para evitar fantasias que só atrapalham o processo.

Só pode ajudar alguém a achar seu animal de poder quem tem o seu bem estabelecido e forte.

Pode-se chegar sozinho ao animal de poder?

Sim, é possível.

O animal de poder pode inclusive te procurar antes de vc procurá-lo o que é considerado um presságio forte para quem isso ocorre que a condição de xamã lhe é acessível.

Todos(as) podem ser xamãs?

Eu respondo perguntando:

Todos podem ser artistas?

Todos podem estudar violão, piano, canto, pintura, mas uns tem as habilidades e outros não o que não impede que todos usufruam da arte, para o xamanismo vale o mesmo.

Assim o tema animal de poder é vasto e está ligado a outros correlatos dentro desse campo vasto e complexo que é o xamanismo.

Espero ter deixado alguns temas para meditação.

Nuvem que passa

Extraído do Pistas do Caminho



_Fonte grupo yahoo xamanismo

Sem comentários: